quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Arcturus

Naquela noite
O amor
Eram as velas
E suas valsas ao sopro da brisa

Naquela noite
O amor
Eram os pés
Que se tocavam sem intenção

Naquela noite
O amor
Eram as mãos
Que se embalavam ao toque do vinho

A luz
As mãos
O verde
A valsa
O veludo
O vinho
O branco
As fragrâncias
E lá fora, Arcturus
Eram o amor
Naquela noite

Sol poente

Eu queria ser o pôr-do-sol
Encher o céu de cores
Todo o espaço meu, por colorir
E sempre ser nova composição
Sem qualquer impedimento
Ou restrição
Brincar às silhuetas
Com as árvores e os moinhos
Contigo, meu amor
Brilhar por entre ramos
Nos regatos
Inundar os rios
E os oceanos

Neste momento passa no horizonte
Uma águia
Foi o sol que mo mostrou
Deixei-me enfeitiçar
E planei com ela
E com todas as aves do mundo
Voei contigo
E mais não te sei dizer

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Coisas que não rimam…e outras

Em Agosto
O plástico não rima com a praia
Como o sol não rima com duas inglesas
Que o absorvem sofregamente
Por outro lado, no pico do calor
Minh’alma encontra-se com as manadas
Cujos sons percorrem as longínquas planícies.

À tardinha, em bandos
Os pássaros, pardais ou andorinhas
Rimam entre a copa de uma laranjeira
E o céu azul.

À noite dou por mim rendido aos grilos
Até que por fim
Me deixo ir
Perdido,
Em sonhos,
Que nem sempre rimam comigo

A chaminé

Alta e imponente
Não estás mais próxima do céu
Nem por isso és branca
É o pouco que sei sobre ti
Não porque mo tenha dito uma andorinha
Talvez até tenha sonhado tudo isto
Todavia as andorinhas são reais
E também tu és real
E apontas ao céu

Ao sul
Rumarão as andorinhas
Quando a estação acabar
Nós viemos agora
À cíclica peregrinação
Como um outro ciclo do sol
Esse, o sol, no céu
O sul na terra
E o azul que parece que compõe todas estas coisas que nos fazem felizes

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Fui poema

Do teu fado saíam
Gaivotas
Gaiolas
Guitarras
Colares
Navalhas
Um terço
Uma velha
Um padre
Um mendigo
Eu voei com as gaivotas
Abri as gaiolas
Toquei as guitarras
Guardei
A sete chaves
Os colares, as navalhas e o terço
Dancei de roda
Com a velha, o padre
E o mendigo.
Eu fui poema, meu amigo

A minha rua

A minha rua tem vasos de malvas nas janelas
E hortelã nos canteiros
Na minha rua abrigam-se pássaros
Dos que rasgam oceanos
O sol põe-se tarde, vermelho
E os céus são aguarelas por pintar

Ali na minha rua há lápis coloridos
Que enfeitiçam as fachadas
Leves melodias, allegros e outras cantorias
Encantam cigarras e grilos
Ao som de velhas telefonias
Que resistem à evolução das espécies

Eu sou a minha rua.
Tu és eu.
Não sei porque te digo isto.

Figueira

De verde vestida
Virados aos céus
Teus braços abriste
Clamando p’los meus

Em mim tu sorriste
E vi como és
Um corpo da terra
Teus seios dois figos

Dá-me o teu odor
A tua textura
E sonhos de amor

Com tua candura
Vela bela flor
Minha sepultura

Conquista-mor

O amor que me tens é teu
Ainda que mo dês como flores frescas
E receba seu perfume como soro de vida
Lembra-me o sol na janela
Inundando-me através as frestas
Em inesperadas manhãs de Primavera

Não me pertence pois
Se o agitas
E me gritas
Quando me amas depois

Não é meu
Se destroçado
Te deitas a meu lado
Me saras as feridas
E me rendo

Amo-te meu amor
Mas não me vendo
De uma vez só
Todos os dias me dou
E cada vez mais

Um velho

Na Alameda
À Rua Carlos Mardel
Um baralho de cartas
Bastou para te ver feliz
A copa densa da árvore
Sem nome
Abriga uns quantos pombos
Que vêem passar a vida
Como tu

Luso, não Lusíada

Hoje vi um cardume de peixes
Dei-lhes um pouco de pão e sorri
Mas não os tomei como meus
Nem lhes roubei o mar
E todos os aquários ficaram vazios

Todos os aquários ficaram vazios
Ainda que fales das espécies que nasceram para viver em aquários
E vejo-os no mar. Rio
Ainda que não me saibam responder

A minha língua é minha e
Ainda que não os encontre na missa
Esta é a minha riqueza
E o mar nunca será meu.

Do sofá, ou o ciclo da dúvida existencial

Disseram-me que o céu está repleto de bondade
E o tempo corre sem pressa
Não há fome e nem tristeza
E não há lágrimas
Nem de rir, nem de chorar
Não há qualquer aspereza
Nem sequer gravidade
Tudo então é leve

Hesito…
P’ra que quero eu um tempo
Em que a água corre doce
E o oceano não conhece o sal das lágrimas?
A inércia, quem despertará dos corpos?
a que saberá o doce sem o pleno conhecimento do amargo?

Fico…
Decididamente sou da terra
Que raspo com as minhas mãos
Como se me beliscasse
Arranho minha delicada pele
Em confirmação

Choro…
De fomes que não tenho, mas que busco a mim
Do dia-a-dia em permanente modo de sobrevivência
A que vou resistindo, eu que choro
Do sofrimento alheio
Da ganância dos outros, que não me atinge
Eu tinjo meus trapos de sal de lágrimas

Mudas para o primeiro canal
Do teu naperon saem garças das que limpam os bois à beira-rio
E corações rendilhados
Como se fossemos indiferentes a tudo isto
Questionamos o sentido que nem sempre a vida nos proporciona
Pensamos em morrer, como solução

Flor do vinho

A flor do vinho são meus lábios
É pois na minha língua que ele floresce
E se desprende em odores
De mulher quente.
Percorrem-me seus passos de veludo
Todo eu sou agora gente

A flor do vinho são meus lábios
Corola colorida
Por onde escorre, denso
O néctar cor de sangue
Que me entorpece
E funde corpo e alma

A flor do vinho são meus lábios
Por onde suavemente
Sibilinas palavras
Soltam-se como pombas
E
Me entregam a ti, Mulher.

Se Deus te fez nuca,
Pescoço, seios,
Cintura, anca, púbis,
Nádegas, coxas, pernas e pés
Fez também o vinho, esse Deus
Que é flor em meus lábios

Como tu.

Existes?

Ao poeta Filipe Campos Melo

Ah!
Que bela esta marcha de mil homens
Estandartes, passos certos, alinhados
Uma fanfarra afinada, cavalos brancos
Crinas longas e leves, entrançadas aqui e ali

São poetas,
Poetas aspirantes
E profetas

São o que são,
O que vêem
O que sonham

São salivas, risos, lágrimas
Palavras ditas
E as que por galhardia nunca foram escritas

(Detenho-me na música dos cascos
Emociono-me, uma vez mais e outra
Galopo contigo)

Se existes?
Eu acredito que sim
Mas nada do que eu digo faz muito sentido

Por uma noite de amor

Quero
Tudo num segundo
Num instante ser eterno
Abraçar o mundo

Quero
Beber as palavras
Que se dizem
Na euforia

Quero
Tragar teu cheiro agridoce
Trazer de volta a Primavera

Quero
Teu corpo morno
Tua alegria

Quero
Como o Louva-a-deus
Que se dá
Por uma noite de amor

Partir, Soneto-e-um-verso

A certeza em que estou
Sinto na terra meus pés
É a de saber que vou
Ambas certas, sem porquês

Incerto será depois
Sem saber quando há-de ser
Nunca tal se antecipou
Apenas que vai morrer

Sei que um dia vou dormir
E não mais irei voltar
Façam-me adeus a sorrir

Não invistam em primar
Não aprumem meu vestir
Na terra quero tocar

E assim simples, serei flores da próxima estação

Nortada, Soneto-e-um-verso

Sou a árvore das palavras
Na mais linda primavera
Sou, da poda severa
A novos verbos me rasgo

Sou da terra que lavras
O fim da estação austera
Sou o mundo que renasce
Sou eterna descoberta

Meu presente agora incerto
Em poema declamado
À força dum peito aberto

Não é verso acabado
É prenúncio de Eu liberto
É desejo de nortada

E decerto a rajada trará renovação

Biologia do poema da criança que chora

Há um poema duma criança que chora
Que não te deixa indiferente
Toca-me a tua revolta e
Não resisto a dissecá-lo

Estrofe, verso, palavra, letra
Paro numa qualquer vogal
Aproveito a pausa e
Foco um ó

Ao primeiro corte obtenho dois cês mas
Não me detenho e recorto.
Surge a molécula
E átomos, por fim
(Limitações económicas levam-me a assumir o átomo como indivisível)

TODOS OS ÁTOMOS SÃO IGUAIS

Onde acaba a criança que chora e começas tu?
Lágrimas, letras, papel
Dor, ardor, horror
Sou tu
Sou papel
Sou tinta, letra, lágrima, lápis, luz e lua
Sou átomo, astro, criança, criação

Sou a criança que chora, por temor
Que abraças agora, como a mim
Em teus braços não existe fim.
Eu sou tudo, meu amor

Biologia do poema da criança que chora

Há um poema duma criança que chora
Que não te deixa indiferente
Toca-me a tua revolta e
Não resisto a dissecá-lo

Estrofe, verso, palavra, letra
Paro numa qualquer vogal
Aproveito a pausa e
Foco um ó

Ao primeiro corte obtenho dois cês mas
Não me detenho e recorto.
Surge a molécula
E átomos, por fim
(Limitações económicas levam-me a assumir o átomo como indivisível)

TODOS OS ÁTOMOS SÃO IGUAIS

Onde acaba a criança que chora e começas tu?
Lágrimas, letras, papel
Dor, ardor, horror
Sou tu
Sou papel
Sou tinta, letra, lágrima, lápis, luz e lua
Sou átomo, astro, criança, criação

Sou a criança que chora, por temor
Que abraças agora, como a mim
Em teus braços não existe fim.
Eu sou tudo, meu amor

Vou

As andorinhas sempre voltam como eu, na primavera

As chaminés de agora são zincadas
E as antenas mágicas
E o cúmulo, a verdadeira nuvem
Que desenhámos na infância
E que voa como um balão inflado

Quem me dera perceber o céu e te dizer
Todas essas coisas. O cio de todas as espécies
E levar-te na grande viagem

Não se te inflama o peito quando digo, anda daí?

Faço as malas para a grande partida
Arrumo meticulosamente os meus nadas
Que para mim são tudo
Porque nada mais importa, se vieres comigo

Do chão seguro, Soneto-e-um-verso

Atasca-se o humano em movediças
Areias que o engolem ardilosas
De firme pedra semelhantes fitam
O que sempre verso, era agora prosa

O vento seca lágrimas ditosas
Do nobre percurso percorrido
E o pobre ensandece ao ver-se ir
No lodo nada digno do ofertório

Assim, crescendo o mar direito a si
Antecipa-se epitáfio banal
Transcrevendo uma vida assim-assim

Descrita num anúncio de jornal
Com cruz e anunciada missa
7 dias após o funeral.

E não mais haverá festa…

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Sem ti

Sem ti

Aranhas tecem teias de infinito
Abelhas salpicam-se de mel
E tu?
O que não queres de mim?
Sinto-me um javardo num colégio de freiras
Em dia de comunhão
Sem ti
Não posso ser
Sentir,
Sem ti

Poetas do futuro

Poetas do futuro

Eu brindo ao futuro
Em meus versos
Porque é de futuro que tratam
E só no futuro serão lidos e ditos
Se ainda no presente os escrevo

Dos poetas
Que escrevem
O que vêem no passado, no presente
Premeditando em utopias o futuro

Aqui neste sítio de homens e mulheres
Sonham poetas os sonhos da humanidade
Porque contemplam o outro
E abraçam-no
Porque o sabem ser essencial.
Então oferecem-se sonhos
Por flores
Bebem-se letras
Por vinho
Manifestam-se alegrias,
Sensações, tristezas, desencontros, desenganos
Apaixonadamente

E o futuro é novo dia
Também para os poetas
Pois nada sabem
Senão a realidade do universo

Aqui,
Agora
Suspendo as melancolias
Neste sítio de homens e mulheres
E vejo em cada verso um novo dia
E brindo ao futuro em cada verso.

Minipoema da madrugada, para Alberto Caeiro

Minipoema da madrugada, para Alberto Caeiro

“A espantosa realidade das coisas
É a minha descoberta de todos os dias.
Cada coisa é o que é,
E é difícil explicar a alguém o quanto isso me alegra,
E quanto isso me basta”

Melros dialogam com o galo
Chapins chilreiam
Piscos saltitam alegremente
No meu quintal
E quanto isso me basta

Ouço o primeiro comboio
Destino Lisboa
Levianamente fumo um cigarro
Enquanto isso me basta
Mas é cedo e regresso ao sono.


A primeira estrofe é extraída de “Poemas inconjuntos”, Alberto Caeiro, Poesia, Assírio &Alvim, Lisboa, 2001, que conheci no Livro”wordsong Pessoa”, wordsong, 101 noites e Transformadores, Lisboa, 2006

Um brilho na favela

Um brilho na favela

Bela!
Bela é tua janela
E brilhas-me nos olhos

Inebrias-te com ritmos
Que trazes no coração
Descalços dançam teus filhos
Que não vão à escola

São restos da saciedade
De uns homens

São órfãos da sociedade
Num recanto da cidade

Porque o sol se espelha
Na tua janela
Mas nela não entra?

Restos de vida num homem com nome

Amparas-te numa mini
(o chão está traiçoeiro)
Esses são teus caminhos
Da tua harmónica saem restos de cantigas

Velhaca, a tua vida

Já não se riem de ti
Já nem te olham das janelas
Jamais te ajudarão

Velhaca, a vida, no geral

No teu torno trabalha agora um jovem com futuro
No teu velho leito dorme um senhor (quase encarregado)
Que é quem assa agora os frangos, ao Domingo

Depois do Tejo

Depois do Tejo

Não basta passar o Tejo
É preciso avistar um sobreiro
A primeira cal contrastando o ocre
Para que me sinta em casa

A terra, o trigo, a cortiça
Atravessam meus tantos poros
Irrigando meu sentir

No poial polido
Trocam-se histórias de infância
Sorrisos sinceros
E silêncios celestiais

Olha uma estrela cadente
Diz o pequeno

A vida sulca a tua tez escura
Desgasta o negro feltro em teu chapéu
Mas minh’alma em ti perdura
Meu simples mas pleno Alentejo

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Avieiros do Tejo II

Avieiros do Tejo I

Lua

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Sem título

Sobreiro

Foram prosas

Espera da morte


Santiago Maior

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Aisthésis

Revolta-me a beleza da chaminé
Enegrecidas fachadas
Mendigos na cidade
Em rodapé

Digamos que há uma certa
E triste beleza
Na miséria

A ramela de uma criança
O rigor de uma ruga
A raiz da árvore que jaz

O branco é estagnação
Insuportavelmente
Não é sim, não é não

Talvez por isso as nuvens
As portas das casas
As janelas
Talvez por isso
A dor que sinto no meu peito

domingo, 10 de maio de 2009

Quando a chuva cai

Quando a chuva cai
Não ouso escrever de mim
Preciso fosse

Tudo fiz
Cantei e esqueci
Talvez não tenha chorado
O que cedo aprendi
E, lamentavelmente, não esqueço

Cruzas as pernas
Abraças um sorriso vão
Em teu colo um livro, que invejo
E pegas no relógio
P’ra que o tempo passe

Quando a chuva cai
Desta vez
Vai um pouco de mim

Desce a rua
Encontra vinho
Faróis e lua
Putas, escarros
Busca na miséria
Um regaço

Eu só queria um abraço
Hoje
Quando a chuva cai

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Aguarelas de 2006 - reencontro



É com muita alegria que revejo algo que criei e que acabou por desenvolver vida própria, numa "família de acolhimento".
Noto também como o trabalho de emolduramento pode tornar-se obra.

terça-feira, 5 de maio de 2009

Jardim...

Pôr-do-Sol

Pilritos

Páscoa

Praia III

Plutão, 3, 5, 7, 8 e 22

Plutão, o planeta anão
Não é planeta, não

Assim quiseram os homens
Que dão nomes às coisas do mundo
E o mundo está-se nas tintas
E muita tinta se consome
Em vão
Se não achas ridículo escuta:
Aurora era quase virgem
E agora?
8 planetas e um quase…um planeta-menor

Pois fica sabendo que também eu
Neste caso, anónimo
Posso criar e nomear
(o que não faz de mim um deus)

Olha o 8,
Retira-lhe o número 3
E tens uma gaivota
Então uma gaivota é 5
Então um bando de cincos percorre o horizonte
Sem saber que apreciam a liberdade

Novamente o 8
E com dois 7
Um em cada ponta
Tens um belo par de óculos
8+7+7=22
Então óculos é 22 e 7 é uma haste
Então, ponho os meus vinte e dois e aprecio o voo de cincos
Sabendo que apreciam a liberdade

(Já para não dizer que um dois é praticamente um cisne)

E que ganhei eu?
E tu?

Aurora, essa
Masturba-se
Insistentemente
Diante do espelho
Como se o mundo fosse acabar.

Hoje, 27 de Abril

Meu caro amigo
Dois dias passados e tudo secou!
Manda-me outras flores
Se puderes

Aproveito e digo
(Política à parte)
Que não sinto poesia
Nos nossos festejos
Homens houve,
De cravo na lapela
Mas poucos, meu amigo.

Por outras palavras dir-te-ia
De tempos que as enfraqueceram
Mas não entenderias
Manda-me outras flores
Amigo, se puderes

Em Santarém, rapaz
Recrearam a partida
Na Escola Prática
(Praticamente ruída).
Que queres que te diga?
Aqui há pão e paz
E quem encha a barriga.

Aquietaram-se os vocábulos
Em águas que saciam
Homens e mulheres
Manda-me outras flores
Rapaz, se puderes

A corja já nem espreita
E para nós, a quimera
É comida e cama feita
Não queremos mais.
Ainda roda a terra
Não se vai à guerra
E o resto, é demais.

É com desassossego, meu irmão
Que te mando este abraço.
E demando outras flores
Não importa cheiro ou cor
Despedidas, Violetas, Malmequeres
Manda-as se puderes
Outros cravos, porque não?

Requiem para um grilo

Recordo o menino
As caixas de fósforos
Enterros de lágrimas

Assim foi com Rui
O peixinho
(um Beta-macho, lutador)

Crispim, o canário
Que foi a enterrar
Em dia de chuva

Desde pequenino
Respeitou a morte,
O menino

Despede-se hoje
Dum grilo negro (como a culpa)
Que trazia na lapela.

Que o sono lhe seja leve
Que o enleve o destino
(ao menino).

O grilo foi em paz
Que o embala o menino
Agora rapaz

O frio, o céu e as galinhas

Parte I

Saber se vivo ou sobrevivo…

Ousado, o Hibisco
Insiste em abrir.
Absorve raios de sol
Que eu não encontro
Capacidade intrínseca, a sua
Que eu não partilho
Assim me arrepio
E tapo
Como o céu.


O céu amortece-me do abismo da realidade
Mas não este céu


Parte II

O horizonte desenha-se, azul
No branco puro das nuvens
Que o sol, envergonhado, rasga

Faltam-me as palavras
Que não busco com a mente
Imersa no céu, suspensa

Pardais mendigam migalhas mantendo distância
E repito


Parte III

Uma galinha, em voo rasante
Atravessa o bar do hotel
É a Páscoa, penso
É a galinha, dizem
Apanhei-a, qual herói
(Sempre soube apanhar uma galinha)
Mas isso não sabem eles.
É um saber que
Cedo ou tarde
O destino me levaria a valorizar.
(Amanhã chegam os patos e os coelhos).

Poema amor (com Aloé Vera)

Eu quero festejar o mundo
Despertar os mais finos sentidos
Lavar com palavra lugares não percorridos
Celebrar, nos cérebros o mais profundo

Por isso, meus amigos
Vos escrevo este poema (com Aloé Vera)
Porque o salmão sobe os rios
Lutando a vida pela vida
Porque a andorinha viajou
Por amor

As papoilas despontam entre o trigo
Somente, sem orgulhos
Porque o sangue brilha com o ouro
Mas das papoilas
Podeis fazer bailarinas

Entendem o que vos digo?

Nos charcos ecoam rãs
E as malvas não requerem muita água
Minhocas oxigenam a terra
E a passarada que entoa nas manhãs
Com elas se alimenta, sem mágoas
É o curso da natureza
É o mundo a rodar
O dia atrás da noite
Simplesmente, amor

O amor neste poema enriquecido
Formulado em tons de primavera
E segredos do universo
Que quer ser lido em cada verso
Festejado e não esquecido
Por isso, meus amigos, o Aloé Vera

quinta-feira, 5 de março de 2009

Hoje matei um poema

Hoje matei um poema

O homem perdido no silêncio
Embrulhava-se em palavras
Em frases deformadas.
Exprimia-se o homem
(Não se espremia o poema,
Ou vice-versa.)
Decidiu então que lhe retiraria
A pior das palavras.
Escolheu paixão,
Retirou paixão ao maldito
Que logo começou a ter sentido.
Tirou então carinho
Pois rimava com sozinho
(E não lhe apeteciam rimas).
Entusiasmou-se o homem
E proseguiu retirando
Flor, Amor, Ardor
Hesitou e deixou a dor
Que encaixava com muito rigor.
Nada seria belo,
Naquele poema
Tirou mar, céu e mel
Deixou fígado e fel
Pronomes ficaram caídos
Todos riscou até
Que rasgou o papel
Ficou o eu, sozinho
Amparado na dor
Mudou de estrofe
Repetiu-se o exercício
De fazer justiça
E pondo fim ao dilema
Deixou tudo riscado
Até que deu o poema
Como acabado.

sábado, 21 de fevereiro de 2009

7 e 41

Pontualidade
Britânica, ou talvez suiça
Aparelhagem.
Todos os dias, por duas vezes
O relógio parado da cozinha
Dá horas certas.
Não mais, nem menos,
Duas vezes ao dia
O dia bate certo com o relógio.
Pudesse eu mandar no tempo e
Como correria um dia
P´ra estancar no seguinte.
A eterna indecisão entre
A ânsia do futuro
E o medo do passado. Mas
É o tempo quem lidera
E se esconde
Atrás do que já não é. Mas
O relógio parado da cozinha,
Sem passado, nem futuro
Está avariado, o tempo
Só eu, eu vou andando.
Certo é que morrerei
E na cozinha, parado
O relógio
Às 7 e 41.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Lide

Semente que germina à lua
Que bebe os prazeres da noite
E se alimenta de orvalho

Raíz que se firma à terra
Ventosas prendem-me à vida
Me sustenho vigoroso

Caule que cresce ao sol
Que endurece sem partir
Sem moleza me vergo



Acenas-me com farpas
Pavoneias com capotes
Aplaudem-te as concubinas

Apruma-te pois nas sortes
Que eu não me deixarei matar
Por um homem de sabrinas

A normalidade

O mundo "normal" nos atrai.
Enquanto atrai nos distrai.
E porque nos distrai nos trai.
Se nos deixamos trair, ele nos destrói...

Hermógenes





Gaivotas me cercam neste céu cinzento
Cerceado estou em minha insanidade
Plebeu em corte de felicidade.
No amor busco deslumbramento
‘Inda no mar se atiça a tempestade
Da qual sou só sobrevivente.
Justo me está o fato do lamento
Que antecipo tamanha crueldade.

Em forte resistência padeci
Batalhas penosas que guerreei
Certo como o pouco que vivi
Ser normal, em tudo me tornei.
Alegres loucuras me tomei
Agora tristemente percebi
Dos furacões a que sobrevivi
Nunca liberdade granjeei.

Testamento tibetano

Adeus, corpo outrora indigente.
Abutres esfomeados me vigiam
Jaz minha roupa ainda quente.
Em greda escura, cutelos se afiam

No cume assoma-se prudente
Uma alma última vez e me alumia,
De mim se despede na vigília
Para enfim se diluir na outra gente.

Segue o rio rumo à felicidade
Se a trilhos rústicos da vida te forcei
Apenas do amor a saciedade

Ainda antes do regresso à cidade
Onde outrora um dia te encontrei
Reencontrarás beleza e mocidade.

Morrer a rir

Era uma vez
Treze homens a uma mesa
Treze garfos
Treze facas de trinchar
Que eu já não conto.
Músicos também treze
Tocam músicas de embalar
A morte.
O cheiro a carne tostada,
Adocicado,
Perturba os treze,
Que debaixo das suas vestes,
Negras e triunfais,
Não resistem aos enjoos
Curvam-se.
Um a um, até treze,
Vomitam angustiados.

Das suas mãos enfraquecidas
Pende o talher.

A rúcula já não é viçosa,
-Como estou quente, penso
E estalo.

Tento mexer-me mas não consigo
Talvez bebesse vinho, se pudesse
Paciência, penso se vedado me está o falar
Em pensamento esboço também um sorriso
Um sorriso de quem assiste ao seu último triunfo
Um sorriso de glória.

Treze, vivos, com medo da morte.
A minha querida morte, que agora os enjoa.

-Mataram-me, agora comam-me! Grito, por dentro.

Lá fora a manhã, cada vez mais cinzenta…
Um canário esvoaça, livre.
E eu arrefeço.

Amor

Amor.
Peçam-me tudo
Mas não que fale de amor
Que direi eu?
Que “é fogo que arde”?
Que “melhor seria arrancar um braço”?
Peçam-me tudo
Mas não que fale de amor
Mata-se por amor
E morre-se por amor
Sofre-se e Vive-se

Num dicionário vi que amor é“Viva
afeição que nos impele para o objecto dos nossos desejos”…
Desejos…
Tão incompleto seria eu,
Se escrevesse o amor

Sou dos que lêem livros de instruções e digo-vos
Que não é assim o amor

Falasse eu
De lágrimas nos olhos
De um nó na garganta
De um formigueiro no peito
Descreveria o amor?

Escrevesse eu
Do mais belo e horrivel sentimento
Que é o amor.
Escreveria eu amor?

Ousado o pedido
Ousado pedir o amor
Se o amor
É.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Cartucheiras de ódio

Chora mãe, teus filhos
Que sem escolher religião
Comungaram maldição
Se perderam em caminhos.
Não esperes do céu sorrisos
Antes balas de canhão
Que sem esperarem razão
Nem mandarem avisos
Não os levam sozinhos.

Chora pai, teus irmãos
Que brincaram contigo
E na guerra sem razão
Fazem agora abrigos
Onde outrora se esconderam.
Ali, na rua do lado,
Morre agora um amigo
De outra religião.
Não merecia o castigo.

Chora avô, a mocidade
Que se entrega à tortura
Fazendo a vida escura
Escurecendo a cidade.
Será amor ou loucura
Que em eterna jura
Os leva à morte mais pura
Na sua mais pura idade
E o ódio, perdura.

Sangue, corpos destroçados
Retratos de infância rasgados
E ódio, nas cartucheiras.

Polaroid, em tons de negro

Rua do Ouro, de óculos escuros
Um homem persegue a berma
Agarra-se à confiança na bendita
O estalido seco da bengala afasta os demais
Como se ao evitá-lo fugissem à realidade
O sinal fica vermelho, sabe-o
E tem que ser o primeiro a partir
Porque no verde a multidão cega e engole os mais fracos.

Cheira-se o Tejo, ao longe
Novo cruzamento, onde está um homem-estátua
Que não vê e passa-lhe ao lado
Dois japoneses tiram um retrato junto ao D. José
Observam a sua destreza e seguem fotografando.
Para onde vai? diz-lhe uma senhora
Que lhe dá o braço e atravessa a última estrada que o separa do mar
Do outro lado, afasta-se sem despedidas
O homem, acostumado, também não agradece
A vida em tom escuro apagou-lhe o sorriso

Num banco de pedra sonha com o mar,
Que nunca lhe contaram.
E sonha-se gaivota que nunca viu voar
Ouve o grito dum barco
Que lhe vibra corpo adentro.

Mas não grita.

Se ao menos pudesse chorar…
Soltaria num lamento
Que um homem sem sentidos
Também tem sentimento.

Mas não chora.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Tejo II



Aguarela, 20x40

Tejo I



Aguarela, 20x40

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Valsa no leito da morte

Travo no gosto sentir derrota
Trago no rosto igual figura
Minh’alma agora escura
De esperança não devota
Que o corpo não segura

Vitória, vitória…

Canto agora a minha morte
Finais acordes de vida
Sinais que toco, de fugida
Como quando pequenino
Lá longe, já ecoa o sino
Acabou-se a minha sorte

Vitória, vitória…
Vitória, vitória…



Corre uma mulher na praia
Despida de gente
Embalada com as ondas
Embala-me com seus seios
Corpo suave
Um pêssego macio
Leve como a brisa.
A névoa fria refresca-me o desejo
Ou então morreria ardendo
De amor


Coisa estúpida de se pensar,
Penso!
Regresso à vida (ou à morte)

Vitória, vitória…

Àqueles que em verdade me amarem
Agora em fim de vida vos mendigo
Quando em morte pois me visitarem
Levem-me alegria p’ro jazigo.
As flores já eu levarei comigo
Vitória, vitória…(palmas)

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Sonhos

Ao longe oiço o resmalhar da selva de bambús
A humidade penetra-me os ossos
As pernas atascam-se em humus
Sou só eu
Sozinho
Guinchos e novo resmalhar
Como de serpentes
Está quente aqui, penso
Quente e húmido
Estou tão confuso

Agora um emaranhado de jornalistas
Cercam-me com perguntas
E flashes
E objectivas
Grandes lentes
E nada disto é objectivo
Sufoco aqui, desterrado
Seca-me a garganta, agora
Como pode ser?

Imundo
O mundo que se enraíza em mim
Fétido, penso
Aliás, cheiro
E grito
BERRO!
Viro-me e levanto-me.
Seco-me numa toalha turca bem seca
E deito-me,
Desta vez
Numa bela praia
Que não existe.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Caminho

Como se fosse a primeira
Não uma, mas a primeira vez
Aí vou eu – o mundo.
A brisa, que controlo com os pedais
Solta-me alguns cabelos da popa.
Beijo o vento,
Rio
Penso em ti
Prossigo
Pedalo e prossigo.

Atrás de mim voam pássaros
Que bebem da minha alegria
Penso
Penso e prossigo,
Pensando em ti.

Vejo os trilhos
Outrora desbravados por aquilo que ainda não somos
Vejo o céu incompleto,
Como nós
Vejo tudo isto e para além do que vejo
Sonho
Sonho,
Prossigo e pedalo
Penso em ti.

Páro!
Imóvel, vejo o mundo a ultrapassar-me
E tu, porque não chegas?
Anda
Vem ter comigo
Vamos a pé,
Mas vem
Anda preencher o céu
Aquecer o sopro da Primavera
Ver voar os pássaros
Até que,
Docemente
Se transformem em estrelas
Cadentes
Sobre nós.

Anda comigo explorar o infinito!
Vem!

Poema – osso

Sem impor condição
E contra a sua razão
Tantas vezes, forte e corpulento,
Te baixas trocando
Deferência por indeferença
Do homem.

Antecipas seu regresso
Que alumias
E embalas em leve sono
Dormindo,
Acordado,
À sua porta
Que não é tua.

Aqui tens
Neste poema
Mão terna
Carne tenra
Osso p’ra roer
E uma bola.
Qua mais não te sei dar.

Sabes?

Sabes?
(Talvez nunca me tenha assim dirigido a ti)
É que hoje vi o brilho dos teus olhos
E senti com urgência uma força a puxar-me as palavras
E o choro, talvez
Já ontem o sentira, enquanto esperávamos o cacilheiro
E víamos as gaivotas, devotas do tejo
Em voos rasantes
Mas, sabes?
(Desculpa-me se me perco)
Cada vez vejo mais claramente
Como somos iguais, ou não foramos pai e filho!
Sabes que uma vez vi um homem partir um copo na mão
E gritar Eu sou do Ribatejo!
Percebi logo que tinha carácter, ele
E eu,
agora que me correm da boca palavras como da sua mão escorreu sangue
E que com essa mesma força me bate o coração
Digo-te que sei que não sabes que a força se revela de variadas formas
Que ainda não controlas a espada que te vai na alma e que faz o sangue correr
Mas ainda assim arrisco a dizer-te
Sabes?
Às vezes, sou o homem mais feliz do mundo!

Quem, por contraste, sou

Busco uma qualquer inspiração
Percorro becos de palavras sem saída
Será que está vazio meu coração?
Será que estando bem não sou canção?
O hábito subtraíu-me a vida
Agora que sou uma adaptação.

Oponho o polegar aos restantes
Homem sou, por definição apenas
Meus descontentamentos triunfantes
Tornam-me igual ao que era dantes
Numa vida sem telas nem poemas
Outrora doces dias fulgurantes.

Sou roda que não faz girar o mundo
Movido por motriz igual a mim
Prudente, pouco mais que moribundo
Castrado do meu sentir profundo
Arrependido de me ter tornado assim,
Saudoso de um passado fecundo.

Admito que não vivo de poemas
Nem de telas constituo meu sustento
De que cor pinto uma tela sem alento?
Mas que grita o homem sem problemas?
Rezo para que seja um momento
E que cedo regressem meus dilemas.

Começo por tirar meus sapatinhos,
Minhas meias de lã irei rasgar
Vou fazer gigantes meus moinhos
Vou fazer dos ventos remoinhos
A minha Dulcineia resgatar
Vou atirar a bola p’ro vizinho.

Sair deste lugar prazenteiro
Procurar inspiração na chuva
E fazer deste dia, um ano inteiro
Vou fazer do frio a minha luva
Vou substituir água por uva
Como se o dia fosse último e primeiro.