quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Dia sim, dia não



Pudesse sempre ver o mundo
em tons de laranja e azul
e cheirasse (quase até beber) a maresia,
ouvisse os cânticos das gaivotas
soprano
e o toque do cacilheiro,
grave, vibrante,
forte e profundo

Dias há, porém,
em que escuto,
procuro,cheiro
e apenas encontro
um enorme vazio...
A esperança
que levante o nevoeiro
e a certeza de que a vida
é o tudo e o nada
a tempo inteiro!







quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

consumação


o seu corpo quente,
a pele quente, doce, de veludo,
atraíam o imortal
e mais concretamente,
a ele

o seu cheiro de melão maduro...
a toalha secando a pele traía
todos quantos a queriam,
mas a ele, concretamente, matava-o

tocar, beijar,
cheirar, acariciar,
quiseram ao menos olhar
e não puderam, nada puderam!

mas ele chorou,
e estava frio
e abrigando-se debaixo do lençol,
intensamente, em pensamento
amou-a como nunca,

suou,
chorou
e dormiu.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Natal dos pobres


-Diz lá isso outra vez...
-Puta, a tua irmã é uma puta, P-U-T-A! E não a quero cá!
Eduarda recolhia assim para a sala, com o semblante marcado pela palidez de quem acaba de perder metade do seu sangue.
Leonor, cega de nascença, era a única que trabalhava para a dar alguma dignidade àquela pocilga humana. Às 9 em ponto atendia o primeiro telefonema, a 15 quilómetros dali, tarefa que repetia ininterruptamente até perto da hora de jantar (não querendo com esta expressão, propor que se chame refeição a algum dos momentos em que aqueles seres meio vivos, mais a pobre da Leonor, ingeriam algumas sobras da Marisqueira do Rés-do-chão).
Era ela que passava no restaurante e recolhia os restos, por caridade de Samuel, o filho do dono. A irmã e o Zé Vasco, que insistia em impor-se naquela casa, ainda por cima com o direito da última e quase sempre única palavra, quase sempre comiam do balde, como se também fossem cegos.
Desse Zé pouco ou nada se sabia - presumia-se apenas que iria morrer sem experimentar trabalho digno ou horário certo, apesar de não parar em casa, o que convinha a Eduarda. Eternamente deprimida, levava o dia a fumar em frente à televisão, com medo que ele chegasse e se pusesse em cima dela, a tresandar a vinho, incapaz de fazer o que fosse, senão culpá-la de todas as suas inactividades.

Era Natal, o que ali apenas significava que Leonor permaneceria em casa. Zé Vasco acabara de chegar. Leonor deu por ele porque já experimentara aquele hálito a vinho e sentia-o à distância.
Samuel já enfiava as fraldas da camisa nas suas calças pretas, pronto a fugir.
Zé Vasco, que nunca pensara no futuro ou no passado, não hesitou em correr com os dois, gritando a Leonor que não voltasse.

Eduarda, reuniu forças e levantou-se. Apagou o cigarro e já só viu a sombra da irmã na escada. - O que fizeste, Zé?

-Puta, a tua irmã é uma Puta!

domingo, 20 de janeiro de 2008

Recordação

Nem sempre o sol era assim tão quente. Naquele dia, porém, o alcatrão cedia-lhe, agarrando os pés de Teresa, em cujas solas sentia a proximidade da fusão. De entre os seus seios emergiam pequenas gotas que se uniam, formando gotas maiores, escorrendo estas, lentamente, até uma camisola que trazia enrolada à cintura, tapando-lhe o umbigo. Os seus calções caqui retinham as poucas gotas de suor que não lhe percorriam as coxas. O ar quente, cheirando a estevas, parecia não ser suficiente para satisfazer a sua capacidade pulmonar. Do trigo, como que a solidariezar-se com os sobreiros, nem um movimento.
Apenas um chocalho longínquo, de algum animal que tivera a sorte de aterrar junto do bebedouro, convencia Teresa de que o mundo não tinha parado.
-Virar à direita, aqui! Agora é seguir em frente.
Andou um quilómetro pelo caminho de terra batida. O resmalhar das pedras nos seus pés lembrava-a de quantas vezes percorrera esse caminho.
Chegou, por fim, ao charco. A figueira não a deixava enganar-se.
A água partira, como os seus habitantes. As pedras, essas ainda lá estavam.
Assim amava Teresa, em silêncio, recordando aquele dia em que o seu corpo se fundira com o de Lúcio.
Para a sua felicidade, agora, bastava-lhe recordar.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

O senhor do Dodge cinzento - RIP

Estava um belo dia de sol. Um convite ao passeio.
O saltitar dos primeiros piscos salpicava-nos com as últimas gotas de orvalho, já o vapor subia da erva. Dois melros roubavam migalhas caídas, ou então eram sementes.

Preparámos as coisas e arrancámos. Desde manhã que tinha a estranha sensação de que alguma coisa não iria correr bem. Há que não pensar no pior, dizia ela. As crianças, essas estavam muito entusiasmadas com o passeio. Pulavam, saltitavam, sei lá...era o seu dia de passeio.


'mor, baixa um bocadinho o som, dizia ela enquanto nos fazíamos à estrada. O alcatrão estava seco, com boa aderência, portanto - um convite ao passeio e à aventura na estrada. Andámos que nem uns perdidos, apanhámos sol, brincámos, rimos e sei lá que mais...era o nosso dia de passeio. A euforia não se libertou de nós até que no regresso decidimos tirar umas boas fotografias, na estrada, literalmente. Na estrada...


Desliga o flash, dizia ela.


E foi assim que tudo aconteceu.


Aproveito para endereçar as nossas condolências à família do Sr. do Dodge cinzento.

Rapazes, o vosso pai era bom e gostava muito de vocês mas...

encandeava-se muito facilmente.

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Que passe rápido

Hoje não estou bem

acho que nunca estive

piada gasta
parva

será gripe?
deitar
suar
acordar bem bom
espero que passe rápido espero que passe já espero que passe rápido talvez não esteja bem talvez seja gripe ou sei lá o quê só espero que passe rápido
o que me vale é a cabeça




domingo, 13 de janeiro de 2008

Aguarelas II



Aqui têm dois estudos simples.
Representam a capela (e cemitério) de Santiago Maior, local inserido numa zona que recomendo - concelhos de Alandroal, Redondo e Reguengos de Monsaraz.
Foram feitos em casa, recorrendo a uma fotografia e à memória.
O tamanho é ligeiramente superior ao aqui apresentado (desculpem a imprecisão).

Velhos no jardim

Está um velho no jardim Com cabelos de algodão Tem dois olhos côr de mar E uma cruz em cada mão Uma cresce de um altar Outra é uma ilusão Continuo a subir (Jorge Palma)



Quando o sol sobe no céu,
Chegam ao jardim os velhos,
Honoráveis presidentes
Dos bancos de pau vermelhos;
Analisam movimentos,
Conferem as florações,
Medem o canto das aves,
Dão aval às estações.

Não há nada no universo
Que aconteça sem o não e sem o sim
Dos velhos do jardim.


(Carlos Tê/Rui Veloso)



Curiosa a quantidade de referências aos "velhos no jardim", que apenas me limito a exemplificar com estes autores/cantores.

Se a do Rui Veloso é a realidade divertida, a da Mafalda Veiga é a triste realidade que todos procuramos evitar:




O olhar triste e cansado procurando alguém E a gente passa ao seu lado a olhá-lo com desdém Sabes eu acho que todos fogem de ti pra não ver A imagem da solidão que irão viver Quando forem como tu Um velho sentado num jardim (Mafalda Veiga)

sábado, 12 de janeiro de 2008

Há dias que acabam assim


quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Cadelas

Voltando à Dama e à Rica, não pude deixar de registar como também no quintal reina a paz e o amor.
É claro que, cada um com o seu osso.

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

a insustentável leveza de fumar



Então não é que em 10 de Dezembro já os senhores do casino tinham sido oficiados pela DGS, em resposta às suas dúvidas (que não me darei ao trabalho de qualificar) sobre se a nova lei viria a impedir as pessoas normais de fumar no casino, tendo a resposta sido um esclarecedor não?...

Então não é que hoje, uns e outros, confrontados com esse facto, alegam que o Sr. em questão estava a fumar numa zona de fumadores?

Poupem-nos!
A demissão não é algo que se possa exigir ao cavalheiro, pois na Administração Pública e infelizmente para todos, é um conceito ainda mais difícil de perceber que o de fumar ou não fumar.

Deixem cair o episódio, que ele acaba por ser esquecido, como tantos outros foram - veja-se aquela menina do Casa Pia - a Maddie...

E regressem ao trabalho.
Vão-se aos leitões, às bolas de berlim, aos meios queijos e às colheres de pau.
Mas, por favor, destapem a cara. Os palhaços somos nós!

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Sessão fotográfica

Tenho 2 belas cadelas - a Rica (o nome faz mais sentido se atendermos a que o irmão é o Ruca) e a Dama (...e o Vagabundo).
A Rica, pequena, com sangue podengo, mas cujo pedigree foi atraiçoado por uma mãe galdéria, que foi com o primeiro pulguento que lhe apareceu (por acaso também foi com o segundo), cuja função na casa é dar o alarme.
Da Dama, corpulenta, enérgica e forte, é esperado que entre em acção numa 2ª fase, que esperemos não venha a existir, para o bem de todos.


Acontece que , como julgo ser atributo canino, nos adoram, independentemente da nossa disponibilidade, do número de ossos que lhes damos, etc. Já li que um cão amará sempre o seu dono, o que, sabe-se como pode ser muito altruísta, atendendo à forma como alguns são tratados.

A nova faceta, para a qual não estava à espera, revelou-se hoje:
ambas posam para a minha máquina, como se soubessem perfeitamente que eu as iria mostrar a todo o mundo.
Não hesito em publicá-lo, porque elas merecem.









à noite, a Natureza

Adulto


Recém-nascido

A natureza tem destas coisas...está sempre lá, para nós.

E tantas são as vezes em que olhamos e não a vemos.

E outras tantas em que nos esquecemos de retribuir.


Experimentem pegar num bom foco de luz e procurar. Verão que cada centimetro quadrado foi devidamente preenchido, à espera duma boa observação.


Por favor, não pisem!

domingo, 6 de janeiro de 2008

vai uma boleia?




Com atenção pode-se ver um mosquito a ser transportado pelo caracol

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

FUMAR MATA...


... ou PODE PROVOCAR IMPOTÊNCIA



No IC19, às 8h00;

Na Ponte 25 de Abril, entre as 7h00 e as 9h00;

Nas urgências dos hospitais, ao fim de 8h00 de espera;

Num lar de idosos, sem condições de segurança ou de dignidade;

Na noite do Porto;

No Quénia.


terça-feira, 1 de janeiro de 2008

Podem falar

A coisa assim não dá, disse-me um dia o meu pai
Tu vives em sociedade e tens que perceber
Que as regras são para se cumprir... não sei se tu estás a ver, pá...
Ah, ah! - disse eu - Estou a ver muito bem...
Mas já agora diz lá que culpa tenho eu
Que no teu jogo existam cartas que não fazem sentido no meu...

Podem falar, podem falar,
Que o meu lugar é andar e o meu passo é correr
De vez em quando a cantar de vez em quando a sofrer.
Podem falar, podem falar,
Mas estão a perder tempo se pensam que um dia me hão-de amarrar...

Jorge Palma

Obrigado, Pai, por me teres dado um baralho diferente (e sem trunfos).
Assim, estou sempre a jogar,
nunca a ganhar,
nunca a perder.

Formiga e não Cigarra

A formiga vagueia no meu monitor,
perdida,
como tu!

Reparo que tem 3 pares de patas e mais duas patas ou antenas frontais,
apenas as patas do meio se movem vigorosamente,
agora está na parte preta, não a vejo,
espero também não a matar.

Que fará ela aqui?
Estará perdida? foge do carreiro? diverte-se nesta deambulação pelo desconhecido?

E tu? Que fazes tu aqui?

Velha Fábula em Bossa Nova , de Alexandre O'Neill

Minuciosa formiga
não tem que se lhe diga:
leva a sua palhinha
asinha, asinha.


Assim devera eu ser
e não esta cigarra
que se põe a cantar
e me deita a perder.


Assim devera eu ser:
de patinhas no chão,
formiguinha ao trabalho
e ao tostão.


Assim devera eu ser
se não fora
não querer.


(-Obrigado, formiga!
Mas a palha não cabe
onde você sabe...)

Lisboa que amanhece