quarta-feira, 16 de julho de 2008

O último voo




Atravessar as nuvens frias
Planar sobre o trigo, como gaivota no mar
Percorrer os montes, as aldeias vazias,
Montanhas nos horizontes
Trazer no bolso cal e não parar de sonhar.
Uma velha, em tons de negro passava na rua.
Tão branca era a rua,
Tão negra era a velha
Que podia vê-la a qualquer distância…
Recordações de infância?
Cheirar as estevas, o estrume
Que somos nós, também.
Porque estamos nós tão sós
No meio de tanta gente
Sempre buscando por alguém?
Regresso a mim e ao meu caminho
Desvio-me de um sobreiro
Docemente curvado, castanho.
Um cuco, por companheiro…
Nada teme, sozinho?
Passa um cão, pastor, rafeiro
Um homem, um rapaz, vacas e bois
Buscam por água, um lameiro
O que encontrarem primeiro.
Um e um será sempre dois…
Avisto a igreja, vestida a rigor
Rosto branco, fresca nas arcadas
Melancólica, afasta o calor.
Refresco-me na sombra
Dou meia volta e prossigo
Subo com vigor, no campo
E deixo-me pairar, sobre as casas
Com o mais doce bater de asas
Eterno…infinito, amplo.

No último riso do sol,
Volto para o meu lugar
O sítio a que pertenço.
Aterro primeiro num cipreste
A terra é pouso agreste,
E penso

Que assim,
Assim é que é voar.

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