sábado, 6 de dezembro de 2008

Terra queimada

I

Quente,
ardia em febre,
a terra.
Ínfimas gotas de suor
em seus poros
tentavam em vão refrescar
o corpo, a carne, a pele.
Sabia-o pelo seu brilho
que a tornava ainda mais bela.
Quatro dias passavam já
desde aquele dia, às quatro horas
em que ela passou,
elegantemente apressada.
O horizonte, como ela,
vestia-se de cores de terra.
O lenço, solto,
era o único sobreiro.
Terra, como disse,
Era a cor do horizonte.
Terra era também o seu corpo.
Podia adivinhar o seu cheiro,
Sentir o seu toque,
Segredando-lhe quente,
ao ouvido, o mundo.


II

Uma palmada no ombro.
Uma taça de branco.
- Dê uma aqui ao rapaz,
Que hoje está em baixo.

Soltas, as palavras íam saindo
Alternando com pão e azeitonas
Os homens falando,
ali, em pé.
Só ele se sentara,
ali em baixo,
para poder pensar.
Assim passavam os dias…
Mas não ele.
Ele sonhava!
Sonhava amar
aquela mulher
que desfilou para si
naquela tarde quente,
vestida de terra,
despida, na terra.
Homem e mulher,
simplesmente.
Ah não!
Ele era incapaz de passar uma tarde sem sonhar.
Sem amar aquela mulher.


III

Duas andorinhas alimentavam seus filhotes
caindo depois, em queda livre
para então acelerar, curvando.
Bailavam também duas aranhas
recompondo as suas teias
para o novo dia que despontara.

Em breve o Sol estaria insuportável.

Chegavam as mulheres,
Umas, com cântaros de água fresca,
outras com o pão,
que os longos dias quentes de trabalho,
as ensinara a respeitar.

Já não choravam por ele,
tantas vezes o fizeram.
Alimentadas pelo dever,
friamente
demandavam últimos preparos
para, em paz, rumar com ele
uma última vez,
por caminhos tantas vezes percorridos…

Foram-se então juntando,
pensando em coisas da vida,
falando do destino,
sofrendo a antecipação
do inevitável.
Da porta da loja assomam-se três homens
que a uma única voz
que não foi dita,
tiraram o chapéu.


IV

Aurora
regava um pé de hortelã.
O galo, realizado, saltitava.
As margaridas, sobreviventes
entregavam sua esperança
na sombra de um estendal.
A terra, agora saciada
um dia chamaria por si,
pensava.

O amor que não revelou,
as palavras por dizer,
enterradas com o homem
(que não chegou a ter)
apodreceriam com ela,
nesse dia.

Agora,
Aurora regava.

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